O caderno pasmado

sirat al bunduqiyyah

01 novembro 2007

Vermundo e Marbranca

O ar da tarde ardia. O feiticeiro falava com as aves, que ascendiam puxadas pelo fogo exalado daquela terra seca. Somente uma delas desceu para escutar a voz do Vermundo. Passou tão perto da lua que das suas asas ficaram prendidas fitas prateadas que cegaram os olhos do mago. A sua voz continuou a sussurrar as palavras até que sentiu na sua face queimada o suave bater da ave. Então calou e foi Marbranca quem sibilou as palavras mais transparentes. Voz de ave, presságio do céu.

As pálpebras fizeram-se luz e as asas mãos que afagaram os lábios ainda possuídos de Vermundo. Marbranca, ave mágica, trespassou com um voo imóvel o peito arrebatado até deixar no centro a semente duma flor. Depois, o silêncio do sono.

A chuva empapou a terra e os corpos. Fez brotar o azul dumas pétalas, os espinhos doces do caule. Durante nove noites as raízes prenderam profundas, fazendo dos dois um só solo fértil, onde começar a vagarosa conquista do ar.

Marbranca foi a paciência e a espera, Vermundo a ânsia secreta da lua. Juntos gestaram uma vida feita de estaçoẽs, que tocava tudo, que abraçava tudo. O pranto e o riso. O gozo e a estilha. Mas nunca mais o ar abrasou.